quinta-feira, 23 de abril de 2015

Opinião: orgulho e sangue na noite em que o São Paulo se redescobriu

Numa noite que se anunciava trágica, time revive melhores tempos com estudo do rival, dignidade dos jogadores e Luis Fabiano no estado mais puro: gol e expulsão


A uma hora do início do clássico, roqueiros entoavam o hino do São Paulo para arquibancadas semivazias e as pessoas se olhavam no Morumbi como se perguntassem: “estamos celebrando o quê?”. Ninguém confiava na equipe. Havia um temor de que aquele show inoportuno apenas se transformasse em razão de chacota ainda maior depois da decantada vitória do Corinthians.
Mas bastou o primeiro dos 90 minutos para que o torcedor sentisse um ardor inédito neste ano. Quando um time quer jogar, a sintonia é imediata. Sabe-se lá em qual nota musical, mas ficou claro que quem estava dentro de campo falaria, na noite daquela quarta-feira, o mesmo idioma de quem estava na arquibancada: a linguagem do orgulho.



“É hoje!”, gritou um torcedor empolgado diante da transpiração das camisas tricolores. O São Paulo suou. Sujou o calção e ajudou a limpar sua dignidade, manchada por atuações recentes vergonhosas. Deixou para trás o tom blasé de quem jogava futebol como se estivesse tomando um chá das cinco com a rainha da Inglaterra e redimiu-se contra o maior rival numa partida que deve servir de guia se a equipe tiver ambições à altura de sua tradição em 2015.
A noite em que o São Paulo se redescobriu teve em um de seus ícones a demonstração mais pura de que, sim, ali naquelas veias corre sangue. Luis Fabiano foi puro Luis Fabiano em seu fabuloso destino de caminhar na linha tênue entre o heroísmo e a vilania. No temperamento inexplicável do artilheiro, há espaço para o herói e o vilão. Eles parecem se amar.
Quanto mais Luis reclama, mais ele joga. Quando mais esbraveja, mais bolas consegue dominar. Quanto mais raiva exibe em sua expressão facial, maior a chance de fazer gols como fez ainda no primeiro tempo. Parou na esquina. Deu mole. Viu o árbitro lhe dar dois cartões amarelos na etapa final com a mesma velocidade que ele já esbanjou em tempos de juventude por aquele gramado do Morumbi. Mais um gol, mais um cartão vermelho. 
Luis Fabiano São Paulo (Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net)
É o “pacote fabuloso”. Os aplausos durante sua caminhada até o vestiário são autoexplicativos. O gol foi maior.
Brilhavam os olhos tricolores ao ver o poderoso Corinthians de Tite encolhido diante de seu toque de bola. As expulsões mudaram a cara do jogo, mas o São Paulo foi melhor do primeiro ao último minuto. Engoliu o rival que já não trucida com facilidade quem atravessa seu caminho. Foi grande como ainda não havia sido em 2015, e como não se imaginava que poderia ser neste jogo.
Grande a ponto de deixar o Corinthians sem saber o que fazer. Era bola pra lá, bola pra cá, e já com 2 a 0 no placar, o torcedor gritava: “Vamos pra cima deles!”. É como se o menininho do prédio finalmente tivesse crescido e pudesse encarar o vizinho mais velho na bola, no olhar, na imposição. O menino virou homem e se portou como tal.
O São Paulo não se redescobriu à toa. Estudou o rival e viu que precisava afundar mais jogadores pelos lados do campo. Usou o 4-4-1-1 com eficiência. Em determinados momentos, tinha seus 10 jogadores de linha no campo de ataque. Mas, sobretudo, o São Paulo se redescobriu na postura. Não teve medo da partida, do favoritismo alvinegro ou do retrospecto de oito anos sem vitórias em sua casa. 
Os jogadores tiveram, sim, vontade de fazer com que cada torcedor saísse do Morumbi orgulhoso e representado, que ao se olharem no espelho enxergassem o rosto dos que estavam em campo, e que dormissem com a camisa do São Paulo sem querer acordar tão cedo.
O Corinthians ainda é melhor, mais bem preparado. É inegável. Mas o São Paulo provou a si mesmo que a grandeza não está apenas nas estrelas de sua camisa. Aqueles que a vestem também precisam ser grandes. Dessa vez foram.

Globo Esporte

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